Existe um jogo baleia azul?

19/04/2017

O suposto “jogo”ou desafio do suicídio Baleia Azul ganhou as manchetes de toda a mídia online e offline brasileira nos últimos dias – coincidindo com o sucesso da série 13 Reasons Why da Netflix, que aborda o tema do suicídio na adolescência. Diariamente, publicam ao menos uma matéria sobre o assunto. Supostas vítimas e investigações policiais ainda inconclusivas aumentam o buzz.

A Baleia Azul seria uma suposta lista de tarefas sádicas, enviada por um grupo sinistro, aos participantes que decidiram entrar no “jogo”. A tarefa final é cometer suicídio. Mas isso existe? O site de checagem de fatos Snopes investigou a história chegou à conclusão que  é farsa. A mesma conclusão do  site jornalístico Radio Free Europe  e do brasileiro Boatos.org. Mas isso pode não significar um alívio. Automutilação e suicídio fazem parte do universo dos adolescentes há um bom tempo. E precisa deixar de ser tabu para ter o lugar que merece, que é o de problema de saúde a ser enfrentado com mais ajuda e menos preconceito.

Mas vamos à Baleia Azul. Para começar uma grande pergunta sem resposta é: onde está o “jogo”, como se encontra os tais “curadores” para participar do desafio?  Tem matérias que falam em aplicativo, outras em links compartilhados via WhatsApp e algumas colocam a história em comunidades secretas do Facebook. Na Europa, os relatos dão conta que essa história se originou na rede social russa VKontake ou VK (bastante parecida com o Facebook). Mas até agora tem sido difícil achar a tal Baleia azul. Inclusive a temida polícia russa. E olha que tem adolescente brasileiro tentando arduamente. De acordo com o jornal O Globo, desde o dia 5 de abril, mensagens em português apareceram na VK.

Na lista de supostas regras da Baleia Azul que circula pela internet, uma das tarefas é escrever “Eu sou baleia” no perfil do VK. Em comunicado, a VK informou que está ciente desse problema e vem implementando medidas para combater “comunidades que são dedicadas a descrever formas de cometer suicídio”. Segundo a companhia, a rede social é monitorada constantemente, e os moderadores respondem a sinalizações apresentadas tanto pelos usuários como pela agência estatal Roskomnadzor, que supervisiona as telecomunicações na Rússia (sim, eles espionam os perfis que quiserem, quando quiserem). A rede está bloqueando páginas que usem hashtags conectadas aos chamados ‘grupos da morte’ e perfis que especulam sobre o suicídio, automutilação e espalham materiais sobre esse assunto.

Em sua coluna no jornal O Estado de S. Paulo, o psiquiatra Daniel Martins de Barros alerta que “o suicídio entre jovens cresce no mundo todo, Brasil inclusive e diante da angustiante ausência de explicações qualquer motivo que tenha ares de resposta encontra terreno fértil para se multiplicar.” E recomenda: “a notícia da baleia azul pode ser exagerada, mas os perigos que ela traduz são tão presentes que todo mundo acreditou. Na dúvida, então, não custa dar ouvidos ao alerta que ela fez.”

A lenda da Baleia Azul – ou como uma notícia falsa traduz um perigo real

Como nasceu a história da Baleia Azul

Para começo de conversa, a baleia surgiu como símbolo das comunidades em redes sociais pró-suicídio por conta do fenômeno de encalhe das baleias azuis na costa de vários países, sem que se soubesse porque os cetáceos resolveram ir até a agua rasa. É uma “romantização” do suicídio feito sob medida para enganar crianças e adolescentes. Só que o alvo da Baleia Azul real não era bem a morte das vítimas. A ideia seria usar a chantagem para ganhar grana mesmo.

Na Europa Ocidental a história circulou em fevereiro e foi bastante noticiada por jornais como The Sun e The Daily Mail, conhecidos pelas notícias sensacionalistas e sobre celebridades. O primeiro relato, entretanto, chegou ao noticiário russo em 2015. Em maio de 2016, voltou ao noticiário por conta de uma matéria do jornal Novaya Gazeta. Segundo o jornal, entre novembro de 2015 e abril de 2016, 130 adolescentes teriam se suicidado na Rússia por causa do jogo. Entretanto, nenhuma evidência foi fornecida para fundamentar a alegação e as autoridades não confirmaram. Mas foram descobertas pela policia russa 8 comunidades na VK que envolveriam seus membros com tarefas de auto-mutilação – aceitar os desafios significavam popularidade na comunidade – e seus participantes investigados por incentivo ao suicídio.

A história original diz que o jogo foi criado a partir de um perfil falso que estava por trás de comunidades – uma delas a da Baleia Azul – e um homem, Filipp Budeykin, estaria sendo investigado por incentivar suicídio nestas comunidades (em alguns sites falam de uma morte, outro de 17 adolescentes). O que a polícia descobriu até agora é que o sujeito era especializado em golpes usando as redes sociais: ele convencia as vítimas a acessaram um link que roubavam os dados que serviam para todo o tipo de chantagens.

O site Crime Russia analisou a história e as comunidades sobre suicídio e automutilação na VK. Especialistas ouvidos pelo site fizeram uma análise interessante do fenômeno:

1. Emoção. Fundadores de tais comunidades querem excitar seus assinantes. Ninguém tenta persuadir as pessoas a se matarem lá, apesar de ocasionalmente atribuir tarefas de auto-​mutilação.
2. Violação de contas e posterior extorsão. Os adolescentes são convencidos a jogar um jogo. Eles têm que seguir um link como parte dele. Uma vez que esse link tenha sido clicado, um usuário arrisca perder sua conta ou se tornar vítima de extorsão e pagar para recuperar sua conta. Geralmente são os vilões comuns que estão por trás desses esquemas. Os montantes dos pagamentos exigidos variam;
3. Extorsão e chantagem. Os administradores exigem selfies nus dos jovens e usam-nas para chantagem mais tarde (com dinheiro ou atos criminosos) e  (neste cenário há um risco um jogador novo e desesperado realmente ter uma atitude extrema);
4. Trollagem. Na maioria dos casos próprios adolescentes criaram tais comunidades para tentar assumir o papel de um “salvador de almas perdidas”. Aqueles dispostos a cometer um suicídio são geralmente “trollados”​ (vítimas de humilhações públicas).

A comoção que a história de um jogo suicida chamado Baleia Azul estaria levando crianças e adolescentes ao suicídio levou a Bulgária a investigar seriamente o caso. Em fevereiro deste ano, o Centro para a Internet Segura de Sofia investigou e chegou à conclusão que era um reavivamento de uma farsa que circulou na Rússia em 2015. A história circulou nos meios de comunicação na Rússia, Cazaquistão e Quirguistão, chegando também a países como a Bulgária. “Essa incrível história atrai sites de tablóides, que lucram com visitas, acrescentando mais e mais detalhes e histórias horríveis, que não são apoiados por fatos”, disse o Centro para a Internet Segura para o jornal Balkan Insight.

Consequências nada inocentes

A comoção sobre o jogo do suicídio faz com que muita gente ganhe dinheiro – com tráfego direto ou popularidade. Isso fez com que sites criassem imagens sangrentas e vídeos do YouTube sobre o jogo. Na Bulgária, a repercussão da histeria nas redes sociais levou adolescentes a criarem grupos no Facebook chamado Blue Whale – um fenômeno que se repetiu por aqui também – e a assumirem o personagem sádico que passa tarefas, o curador. Por lá, não houve registro de suicídios. Por aqui a polícia de vários estado ainda investiga. O colunista Julio Boll, do jornal Gazeta do Povo, decidiu entrar no jogo depois que a prefeitura de Curitiba emitiu um alerta sobre tentativas de suicídio na cidade.

O que descobriu: as comunidades existem (4 ou 5) no Facebook. É difícil encontrar os tais “curadores”, que são as pessoas que passam as “tarefas”(a mais comum é automutilação) e que existem muito jovem precisando de ajuda disposto a ouvir quem lhes passem tarefas. Também descobriu que muita gente se associou às comunidades e fingem ser curadores para tentar ajudar os jovens a não cometer suicídio. No Brasil, incitar alguém a cometer suicídio é crime.

Jogo Baleia Azul: Eu tentei jogar o game de suicídio e o resultado é surpreendente

Para refletir mais:  este artigo do The Globe faz uma reflexão do papel da mídia e lembra que o “jogo do suicídio” tem sido uma fantasia frequente entre os medos sociais de pactos de morte – foi retratado em episódio de Black Mirror (Shut up and dance) e em filmes como o japonês Suicide Club, sem falar no clássico pacto de morte de Romeu e Julieta.