Noivas sangrando

02/10/2017

Em muitos países, mulheres vítimas de estupro são obrigadas a casar com os estupradores para livrá-los da cadeia ou para aplacar a “vergonha” da família. Mas, graças a esta campanha, que ganhou cinco Leões em Cannes e foi destaque na Semana de Publicidade de Nova York, a legislação foi mudada no Líbano.

Manifestação nas ruas de Beirute.

Durante 16 dias, a campanha Undress 522 – Um vestido branco não cobre a violação mobilizou o Líbano. O vídeo acima atingiu 20,8milhões de pessoas somente na internet. E saiu da propaganda para ganhar as ruas. O objetivo era revogar o art. 522 do Código Penal libanês, que inocentava o estuprador após o casamento com a vítima. A criação foi da Leo Burnet de Beirute para a ONG ABAAD, que luta pela igualdade de gênero no Líbano, e em parceria com a ONU Mulheres.

Instalação com vestidos de noiva em frente ao Parlamento.

Lançada no ano passado, a campanha deflagrou um intenso debate público. E, desde 16 de agosto deste ano, o casamento com a vítima não atenua a pena do criminoso. A Tunísia e a Jordânia aboliram recentemente leis similares. A cláusula de estupro permanece nos livros na Argélia, no Iraque, no Kuwait, na Líbia, no Bahrein, na Palestina e na Síria.

“As famílias pressionam a filha a se casar com seu estuprador porque a honra da família está em jogo. A sexualidade é muitas vezes um tabu e algumas normas sociais tradicionais concedem à sociedade um “direito de inspeção” sobre as mulheres sem que elas tenham sua opinião”, explica Ghida Anani, fundadora da ABAAD e  professora assistente na Faculdade de Saúde Pública da Universidade Libanesa e Especialista em Violência Baseada em Gênero.

Está pensando que é coisa de país árabe? Até  2005, existia na lei brasileira um dispositivo previsto na Lei 11.106 do Código Penal que determinava que, se a vítima de violência sexual se casasse com seu agressor ou com outro homem, o crime simplesmente deixava de existir. A legislação estava em vigor desde 1940 nos chamados “Crimes de Costume”.

A mudança na legislação ocorreu somente em 2005, quando também houve alteração e retirada de termos preconceituosos no Código Penal Brasileiro, como “mulher honesta” e “mulher virgem”, além da extinção de alguns outros artigos, como o que considerava crime o adultério.