22 de abril

23/03/2007

por Maria Helena Passos

Neste ano, a data em que Cabral descobriu o Brasil é a mesma que levará os eleitores franceses às urnas para escolher seu próximo presidente da República. Na mais perfeita tranqüilidade audiovisual, com os candidatos tendo direito ao financiamento público de campanha e sem que os cidadãos tenham sido obrigados a conviver com qualquer coisa semelhante a horário político gratuito nos meios de comunicação ou propaganda política desde o último 22 de janeiro.

A atual lei francesa determina abstinência pré-eleitoral de três meses na propaganda política. Nesse período, o debate político se dá através da imprensa falada, escrita ou audiovisual, hoje conhecida por mídia.

Em um país no qual políticos têm pesadelos a cada divulgação de índices de abstenção eleitoral em alta, uma legião de publicitários invocou, em novembro passado, ícones da cultura gaulesa para introduzir um artigo inflamado em prol da modificação da lei atual.

Os Miseráveis, obra-prima em que Vitor Hugo escreveu que o homem, ao falar todas as línguas, atinge a todas as almas, foi citado na primeira frase. E, antes que o parágrafo terminasse, surgiu ninguém menos que o iluminista Voltaire, para lembrar que a política é a primeira entre as artes.

Mas eis que o grupo encontrou, três dias depois da publicação de seu artigo, um contendor de peso, nas páginas do mesmo austero Le Figaro que publicara o artigo: o conselheiro de Estado e especialista em comunicação pública, Pierre Zémor, que preside, inclusive, a associação Vommunication Publique, na França.

Sua esgrima saiu-se afiadíssima contra tão nobre inspiração dos contendores. Sem qualquer citação, Zémor mostrou que a turma da publicidade francesa ainda não aprendeu – ou não quis aprender – que a comunicação política não é imediata como a que vende sabonete ou qualquer produto de consumo.

É sim, tarefa de conhecimento e convencimento, pedagogia e debate participativo de idéias, pois é aí que reside seu componente público capaz até de regenerar a democracia participativa na França. Ipsis literis: Só pode regenerá-la, uma comunicação política de repartição do saber e de pedagogia suficiente para resistir à demagogia.

Políticos e partidos, ao menos na França, realidade sobre a qual discorre Zémor, já sabem os ganhos de se praticar uma comunicação que explica e discute. Praticá-la de modo permanente é o caminho para tornar, tanto as dificuldades do exercício do poder e quanto eventual realismo de propostas opositoras, conversa do povo – que, em última análise, não somente é seu receptor final como eleitor apto a julgar idéias e seus emissores.

Dia 22 próximo, o Brasil chega aos 507 anos de vida sem que seus legisladores tenham se ocupado efetivamente, desde a retomada do Estado de Direito, de temas como regras eficazes e factíveis para financiamento de campanha eleitoral ou para ordenar a casa da propaganda política.

Lembro-me porém, que no calor de escândalos que desnudaram valeriodutos, ao final de 2005, ao menos uma empresa privada brasileira cogitou promover debates sobre participação política entre seus funcionários ao invés de usar o dinheiro para apoiar candidaturas. Apurarei no que deu. E antes que os franceses meçam novo índice de abstenção eleitoral, publicarei aqui, não apenas o resultado de tal intenção como excertos de uma entrevista que me foi concedida, em 2006, por Pierre Zémor.

Maria Helena Passos é jornalista