Campanha contra obesidade infantil gera polêmica

12/03/2007

Matéria publicada no O Estado de São Paulo, Caderno Vida, 10/03/07

Pôsteres de crianças gordinhas com tarjas nos olhos foram espalhados em pontos de ônibus de 4 capitais

Adriana Dias Lopes

Uma campanha contra obesidade infantil que espalhou fotos de crianças gordinhas com tarjas nos olhos – como se faz com infratores – não foi bem recebida por especialistas. O trabalho, da agência de propaganda novaS/B (sem ligação com marcas de produtos) exibe, além das imagens, frases que associam a obesidade a doenças, como “Obesidade hoje, diabete amanhã” ou “Obesidade hoje, colesterol amanhã”.

Para a psicanalista da Universidade de São Paulo (USP) Ana Olmos, especialista em crianças e adolescentes, as fotos têm sentido punitivo. “A tarja nos olhos de crianças pode ser associada a um universo policial”, diz ela. “A mãe ou a própria criança que vê a imagem sente culpa. Isso não resolve.”

Já a nutricionista Patrícia Chaves Gentil, da Universidade de Brasília (UnB), diz que a campanha deveria estimular mudança de hábitos alimentares e não “fazer com que a criança se sinta discriminada”.

EFEITO INTENCIONAL

Impacto, no entanto, é justamente o objetivo dos responsáveis pela iniciativa. “Esta é uma campanha diretíssima e é natural que surpreenda”, diz Valmir Leite, vice-presidente de criação da novaS/B. “Não tenho a menor dúvida da qualidade do trabalho, que foi embasado em muita pesquisa.” O custo da campanha, R$ 1,2 milhão, foi coberto pela própria agência.

A estratégia de comunicação escolhida resultou de pesquisa com 40 pais de crianças, gordinhas ou não, das classes A, B e C. O grupo analisou três anúncios publicitários sobre obesidade infantil.

“A única escolhida por unanimidade foi esta que está sendo veiculada”, diz Bob Vieira da Costa, sócio da agência. Uma das campanhas rejeitadas por todos tinha como lema “Dizer não às guloseimas”. “Num mundo em que os pais têm de impor uma série de restrições, eles preferem não proibir um dos poucos prazeres dos filhos”, analisa Bob.

O terceiro anúncio avaliado pelos pais, aprovado apenas por parte do grupo, teve como base a lei da compensação: “Pode comer, mas tem que se exercitar”.

A presidente da ONG Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) de Jundiaí, Luciana Cantone, aprova a campanha mas pondera que ela poderia evitar polêmica se em vez de fotos de crianças fossem usados desenhos de personagens infantis gordinhos.

As fotos podem ser vistas em 900 pontos de ônibus de São Paulo, Rio, Brasília e Belo Horizonte ou no site da campanha.

MARKETING DIRECIONADO

Estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) divulgado em 2005, um dos poucos sobre o assunto no País, mostrou que 1 em cada 10 minutos de propaganda veiculada nos intervalos da programação promovia consumo de alimentos associado à saúde e a divertimento. Todos tinham alto teor de gordura e açúcar refinado.

A pesquisa analisou 600 minutos de programação, das 8 horas ao meio-dia, durante o mês de julho, época de férias escolares. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) colocou em consulta pública resolução que restringe a associação de personagens infantis à propaganda de alimentos.